A anunciada mudança dos Vistos Gold e a (in)certeza do fim!

Esta oitava alteração, introduzida através do Decreto-Lei ora aprovado e cujo conteúdo ainda não foi publicado, terá como principal objetivo (de acordo com o anunciado pelo executivo no comunicado do Conselho de Ministros) favorecer a promoção do investimento estrangeiro nas regiões de baixa densidade, nomeadamente na requalificação urbana, no património cultural, nas atividades de alto valor ambiental ou social, no investimento produtivo e na criação de emprego, restringindo ao território das CIM’s do interior e das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores os investimentos previstos nas subalíneas iii) e iv), da alínea d) do nº1 do artigo 3º, da Lei 23/2007, de 4 de julho (leia-se aquisição de bens imóveis).Prevê-se, assim, que o executivo aprove uma reorientação “forçada” do investimento para o interior do país e para as Regiões Autónomas, bem como um aumento significativo dos valores mínimos de investimento exigidos aos investidores, na senda do que vinha disposto na proposta de lei apresentada no Orçamento de Estado de 2020 pelo grupo parlamentar do Partido Socialista, aprovada na Assembleia da República, e na ratio da própria proposta que pretendia retirar a “pressão no mercado imobiliário existente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto” e a contribuir para “uma maior coesão territorial".Face à atual situação de pandemia e ao impacto que uma restrição ou eliminação mais que certa nas atividades relacionadas com o investimento imobiliário causará na economia nacional, é esperado pela Indústria e investidores, no mínimo, um regime transitório de salvaguarda, a aprovar pelo mencionado Decreto-Lei.Com efeito, foi anunciado que o referido regime transitório vigore durante todo o ano de 2021 e 2022 e terá como finalidade última, assegurar que os processos de concessão ou renovação de ARI, ainda em curso, não sejam prejudicados, protegendo, ainda, os legítimos interesses de todos os promotores que desenvolveram e comercializaram os respetivos projetos, pressupondo, a procura expressiva do investimento estrangeiro proveniente do denominado programa dos Vistos Gold.Neste particular, e por forma a mitigar o impacto negativo que a controversa alteração já provocou (e seguramente irá agravar), é imperioso que se salvaguarde, via disposição transitória, a irretroatividade da lei, não apenas na aceção formalista do conceito, enquanto princípio geral de direito, mas, outros sim, na efetiva proteção material dos direitos e interesses de todos aqueles que já concretizaram ou estão prestes a concluir o respetivo investimento. Assim, espera-se que as mencionadas restrições e alterações não sejam aplicadas apenas para os pedidos de autorização de residência para investimento requeridos antes da data da entrada em vigor desta alteração, mas, bem assim, a todos os investimentos que já foram e sejam ainda realizados, tendo em vista o subsequente pedido de concessão de ARI’s, mas cujo pedido de concessão, por razões de diversa índole - burocrática, técnica ou outras, não tenham, ainda, sido submetidos.Será, pois, de elementar justiça, ponderar o atual contexto pandémico à escala global, que interfere, de forma indubitável, no “normal” andamento dos processos. Veja-se, a título de exemplo, as restrições na entrada em território nacional, o atual funcionamento moroso de muitas embaixadas e postos consulares (obrigatório para a legalização de documentos estrangeiros) os atrasos na emissão de documentos por parte de diversas entidades públicas, a demora na abertura de contas bancárias em território nacional, entre muitos outros fatores. Acresce que esta salvaguarda permitirá, de igual modo, a proteção legítima, de todos os promotores e entidades que se encontram do lado da oferta e contribuem (independentemente da modalidade de investimento) de forma essencial para o PIB português, para além, do esforço de adaptação que esta nova realidade e mudança exigirá, incluindo, a estruturação e disponibilização de novos “produtos de investimento” que melhor se adequem às políticas sociais e territoriais pretendidas pelo Governo.Ainda no âmbito do regime transitório, chamamos a atenção para os efeitos nefastos que poderão ocorrer por via do aumento dos valores mínimos de investimento exigidos aos investidores nas modalidades que se pretendem restringir (leia-se, aquisição de imóveis em Lisboa e Porto) até à total “extinção” (alegadamente a ocorrer em 2022), a pretexto da (virtual) canalização para as CIM’s do interior e das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. Mais uma vez, e conforme referido anteriormente, dever-se-ia apostar, em alternativa, na concessão de benefícios e/ou a melhoria dos requisitos mínimos para que seja, tão ou mais atrativo, investir no interior face aos grandes centros urbanos (tendência natural do mercado) ao invés de recorrer ao aumento desmesurado dos tickets de investimento, que apenas terá um inevitável desfecho: a fuga dos investidores em direção a outras jurisdições com programas de residência/investimento idênticos ao nosso e a morte antecipada do programa ARI.Teme-se, ainda, que o impacto desta alteração legislativa seja transversal a todas as modalidades de investimento, em especial aquelas que colhem maior popularidade, logo após, ao investimento imobiliário, como (i) a transferência de capitais no montante igual ou superior a 1 milhão de euros; (ii) a aquisição de unidades de participação em fundos de investimento ou fundos de capitais de risco vocacionados para a capitalização de empresas onde 60% dos investimentos seja concretizado em sociedades comerciais nacionais; e (iii) os investimentos destinados à constituição de sociedades comerciais ou ao reforço de capital social com a criação ou manutenção de 5 postos permanentes de trabalho por um período de 3 anos.No que concerne, em particular, ao investimento realizado através da aquisição de unidades de participação em fundos de investimento ou fundos de capitais de risco, o eventual aumento dos valores mínimos de investimento, terá um impacto extremamente negativo, quer junto do mercado de capitais, quer ao nível dos setores de atividade onde se inserem os ativos subjacentes (empresas portuguesas), porquanto o incremento dos valores mínimos levará a que inúmeros fundos, note-se, entretanto já constituídos e em fase de subscrição, direcionados para a captação deste tipo de investidor (isto é, nos termos da subalínea vii), da alínea d) do nº1 do artigo 3º, da Lei 23/2007), com tickets de entrada no montante de €350.000,00, se tornem desinteressantes para os investidores, pondo em causa todo um sector que, em última instância, estava vocacionado para a capitalização de empresas portuguesas, almejando a tão esperada e necessária recuperação económica.Parece-nos consensual que a obtenção de um “Visto Gold” por via da subscrição de unidades de participação (num valor mínimo de 350.000 euros) em fundos de capital de risco vocacionados para a capitalização de empresas portuguesas constitui uma situação win-win: Na ótica do investidor, alia-se o investimento financeiro (de menor valor por comparação com outras modalidades) num veículo (altamente) regulado e com perspetiva de retorno do investimento, à obtenção de uma Autorização de Residência e, por seu turno, atribui uma vantagem inequívoca para o tecido empresarial português, dado que para as empresas, a captação de capital estrangeiro representa uma forma alternativa de financiamento, face à modalidade de alavancagem clássica do crédito bancário, o qual, num futuro (já) próximo, se revelará de difícil acesso e tendencialmente mais oneroso, em face da atual conjuntura macro económica global.Adicionalmente, a análise estatística relativa a oito anos de programa “Vistos Gold” revela que aproximadamente 95% das ARI’s foram concedidas através do investimento em bens imóveis. Nesta conformidade, se admitirmos que o objetivo do legislador é, para além do alegado redireccionamento do investimento imobiliário para o Interior, reorientar e estimular o apetite dos investidores para as restantes modalidades disponíveis, parece-nos, no mínimo, contraditório, que a solução possa passar pelo aumento dos valores mínimos de investimento, quer para as modalidades alternativas, quer ainda, por referência aos próprios tickets para o imobiliário situado nas zonas de baixa densidade.Em suma, a restrição ao investimento em ativos imobiliários situados nas regiões metropolitanas de Lisboa e Porto e do litoral do país, que permitem a obtenção de Autorização de Residência, representa uma medida controversa e profundamente penalizadora para a economia, pela consequente deslocalização de investimento estrangeiro para outras geografias. Por outro lado, não se vislumbram motivos para que as anunciadas alterações/restrições possam vir a ser extensíveis às demais modalidades de investimento, a não ser, naturalmente, a pretensão de se colocar, em definitivo, um ponto final no programa que, por sinal, já arrecadou mais de 5 mil milhões de euros, de forma direta, para Portugal. Esperemos todos que estas incertezas não se traduzam na certeza do fim…

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