Cidades donut e cidades saudáveis

As crises têm sempre destas coisas. Ao mesmo tempo que nos constrangem, também geram oportunidades, sobretudo, pela renovação de perspetivas que impõem.Por isso mesmo, se viver numa casa arrendada era sinónimo de transitoriedade, ou mesmo de precariedade, hoje serão poucos os que admitem mudar de uma penada e correr à procura de casa própria, mesmo que a sua vida tenha mudado para melhor. E o tema deixou de ser exclusivamente financeiro. Imperam razões de outro tipo, embora sintomáticas, tais como a mobilidade ou a flexibilidade.Num mundo onde as profissões já não se perspetivam para a vida, ao serviço de uma mesma empresa; quando hoje é possível ir a Londres mais facilmente do que a geração anterior visitava a aldeia vizinha, a ideia de uma casa para a vida dificilmente resiste ao teste da realidade. E é talvez por isso que são muitos os que continuam a optar pelo arrendamento, mesmo quando isso exige, mensalmente, um esforço financeiro superior.Este contexto, ainda recente, tem contribuído muito para a revitalização dos centros históricos e para combater, numa perspetiva de sustentabilidade urbana, as chamadas cidades donut - centro históricos esventrados, desertificados e inseguros, rodeados por periferias sobrelotadas e desordenadas. Facto que releva para o mercado imobiliário, mas também, por exemplo, para uma visão integrada sobre a política de segurança interna, no perímetro das cidades.Ao longo dos anos, a pressão do financiamento e uma economia fortemente ancorada na construção civil fizeram com que os autarcas, de um modo geral, apostassem na expansão urbana, em vez de consolidarem e requalificarem o edificado. Hoje, quando observamos os fenómenos de marginalidade, mais ou menos violenta, no centro das cidades, é impossível não estabelecer um nexo com as condições a que os cascos históricos estão votados.Vale isto por dizer que a crise, malgrado todas as feridas abertas, de algum modo, veio reestabelecer um equilíbrio no ordenamento urbano e nas políticas de habitação, favorecendo o desenvolvimento equilibrado e integrado, na perspetiva fundamental das Cidades Saudáveis.Trata-se de um conceito integrado e multidisciplinar, que de acordo com a Organização Mundial de Saúde, assenta em pilares tão vastos como a sustentabilidade do ecossistema urbano; a coesão social; a participação social; a economia local diversificada e inovativa; ou o orgulho e respeito pela herança biológica e cultural. E é uma ambição inspiradora, para as cidades do futuro.

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