Habitação: quando a fiscalidade ajuda, mas não chega

O debate em torno da habitação voltou, com razão, ao centro da agenda política. O pacote fiscal recentemente apresentado pelo Governo parte de um diagnóstico amplamente partilhado: Portugal precisa de aumentar, de forma significativa, a oferta de habitação, sobretudo a preços compatíveis com os rendimentos das famílias. A intenção é correta. A questão que se coloca é se os instrumentos agora propostos são suficientes para produzir um impacto estrutural no mercado.A redução do IVA para 6% na construção e na reabilitação habitacional representa, à partida, um sinal relevante para um setor pressionado por custos elevados de materiais, pela escassez de mão de obra e por margens cada vez mais comprimidas. Se bem implementada, esta medida pode devolver viabilidade económica a projetos de segmento médio, estimular a reabilitação urbana e atrair investimento para modelos como o build-to-rent, essenciais para reforçar a oferta de arrendamento estruturado.Contudo, a eficácia desta medida depende, em grande parte, das condições associadas à sua aplicação. A exigência de que os imóveis sejam vendidos ou colocados no mercado de arrendamento a preços considerados “moderados” num prazo máximo de dois anos levanta desafios práticos relevantes. Num contexto em que os processos de licenciamento continuam a ser longos e pouco previsíveis, impor prazos rígidos pode limitar o alcance real desta iniciativa.Importa, também, sublinhar que a redução do IVA na construção não elimina outros fatores determinantes na formação do preço final. Os materiais continuam sujeitos à taxa normal e a pressão sobre a mão de obra é crescente, sendo importante que esta redução do IVA seja efetivamente refletida no preço final dos imóveis e não se perca na cadeia de produção. Sem uma abordagem integrada que inclua uma maior celeridade administrativa, estabilidade fiscal e previsibilidade regulatória, o benefício fiscal corre o risco de não se refletir no preço final para quem compra ou arrenda uma casa.No arrendamento, os incentivos fiscais agora anunciados vão no sentido certo, ao reconhecerem a necessidade de tornar este mercado mais atrativo para investidoresprivados. Ainda assim, a confiança é decisiva. O investimento imobiliário exige regras claras e horizontes temporais consistentes. Medidas percecionadas como “transitórias” ou “excessivamente condicionadas” tendem a produzir efeitos limitados.É, igualmente, importante evitar leituras simplistas que opõem o investimento e o acesso à habitação. O investimento responsável é parte integrante da solução. São os promotores e os investidores que mobilizam o capital, que assumem o risco e transformam as políticas públicas em casas concretas. Penalizar determinados perfis ou introduzir uma incerteza adicional pode ter o efeito contrário ao desejado.A habitação é um desafio estrutural que não se resolve apenas com fiscalidade. Exige uma visão de médio e longo prazo, capaz de articular as políticas de solos, o planeamento urbano, o licenciamento eficiente e a cooperação efetiva entre o setor público e privado.O novo pacote fiscal representa uma oportunidade. Mas será a execução, mais do que o anúncio, a determinar o seu sucesso. Na habitação, como noutras áreas estratégicas, o país precisa menos de soluções avulsas e mais de consistência, de previsibilidade e de um compromisso com resultados duradouros.

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