Problema da habitação resolve-se “atacando os fatores que fazem subir o preço”

Para resolver o problema do acesso à habitação, que se tem deteriorado nos últimos anos, há que incentivar o mercado e a criação de nova oferta, atuando sobre os fatores que contribuem para o aumento dos preços. É o que defendem os especialistas que debateram a questão da habitação durante a apresentação do “Observatório do Imobiliário” da Century 21, tornado público esta quinta-feira durante a convenção anual da rede imobiliária. Participando numa das mesas de debate, Pedro Siza Vieira, sócio da PLMJ e ex-ministro da economia, recordou que houve, nos últimos anos, uma grande redução do número de fogos anualmente produzidos, em resultado das últimas crises do setor. Defende que «precisamos de voltar a um ritmo de cerca de 50.000 novos fogos por ano». O problema resolve-se «por via da oferta, atacando os fatores que fazem subir o preço, como o licenciamento». Defende também o «trabalho na fiscalidade sobre o imobiliário, que é diferente do resto da Europa e penaliza muito face aos outros países». Por outro lado, «cobramos pouco sobre a detenção da propriedade. Poderemos baixar a fiscalidade sobre a produção, e recompor isto para que os proprietários que estão a ser beneficiados pela valorização da sua propriedade possam contribuir um pouco mais». Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário, acredita que «é possível encontrar soluções que mobilizem o mercado e tragam outra capacidade para se ir ao encontro do que se precisa. É mesmo preciso mobilizar os operadores para a construção, olhar de forma pragmática para os fatores que contribuem para o encarecimento da habitação, e intervir nesses fatores, criando um ambiente de confiança para desenvolver a atividade de forma previsível». António Ramalho, Chairman da Touro Capital Partners, apontou que as poupanças dos portugueses «estão, de facto, na habitação», mas as camadas mais baixas da população «estão fora deste mercado, assim como os jovens». E não duvida que, a escolher uma só medida mais imediata, «seria importante a redução do IVA na construção nova. Isso podia aliciar os investidores a ser mais rápidos a criar oferta». Há "uma emergência social de carência de habitação" Apresentando as principais conclusões do “Observatório do Imobiliário”, Ricardo Sousa, CEO da Century 21, destacou que os baixos rendimentos dos portugueses estão a condicionar o acesso à habitação, em particular na Área Metropolitana de Lisboa. A nível nacional, face a 2018, os preços das casas estão, em média, 35% mais elevados, e as rendas 20% mais caras. No entanto, os rendimentos disponíveis não aumentaram. Há mais pessoas vendem a sua casa por precisar de dinheiro, e mais famílias a desistir de comprar casa ou arrendar devido aos preços que encontram no mercado. Por outro lado, é a faixa com mais de 50 anos que está mais ativa no mercado, face a 2018, tanto a comprar como a vender. Em comparação com esse ano, há menos jovens no mercado. Mais pessoas estão abertas a ir viver para destinos nas periferias, mesmo que isso signifique sair da sua cidade. Uma movimentação que «está a criar um mercado muito dinâmico», reflexo de que «os portugueses estão a adaptar-se à nova realidade, a novos estilos de vida». Para o responsável, «o que vivemos no mercado imobiliário é um sintoma da sociedade, nomeadamente do rendimento disponível dos portugueses, para a vida e para a habitação. Isso influencia as decisões de venda e de compra». Há «uma emergência social de carência de habitação», com destaque para muitos jovens que estão fora do mercado. Pede-se intervenção do Estado “forte”, melhor mobilidade urbana, e industrialização Para Ricardo Sousa, o setor imobiliário «tem de estar alerta, de intervir. Temos de encontrar soluções para apoiar quem realmente precisa de ajuda. Mas é também essencial a intervenção do Estado, que tem de estar presente e deixar o mercado funcionar». No entanto, e segundo este Observatório, 70% dos portugueses não conhecem o programa “Mais Habitação”, apresentado pelo Governo em fevereiro do ano passado. Entre aqueles que conhecem o programa, 70% a 80% avalia as políticas do Estado na área da habitação como “más ou muito más”. Para a Century 21, é essencial melhorar a mobilidade urbana, considerada «chave na melhoria do acesso à habitação. Significa facilitar o acesso e tornar a habitação mais próxima». Ricardo Sousa defendeu especificamente a ampliação das linhas urbanas da CP ou a priorização da expansão do Metro até Loures ou Lisboa ocidental. Há que implementar e melhorar o Simplex do licenciamento urbanístico também, garantindo a segurança jurídica, mais agilidade dos processos e a proteção do consumidor. Assim como incentivar a industrialização da construção. «Precisamos de mais sustentabilidade ambiental, agilidade, segurança e inclusão nas condições de trabalho», conclui. “Direito à habitação e à propriedade devem ter um equilíbrio entre si” Catarina Martins, comentadora da SIC Notícias, participando no painel “Linhas Vermelhas”, salientou que os resultados deste estudo «traduzem o que já sabemos, os preços continuam a aumentar, continuamos sem ter um mercado de arrendamento. O problema da habitação é um problema social muito mais vasto. Todos começamos a ir para mais longe do sítio onde trabalhamos, estamos a criar um país em que não há vida além do trabalho e do trânsito, sem tempo para a família ou para a comunidade. Vai para lá do rendimento e da vida familiar, é uma questão de democracia. É preciso de pensar quais são as regras que queremos». E defende que «o direito à habitação e à propriedade devem ter um equilíbrio entre si. Há uma responsabilidade pública muito grande neste equilíbrio entre os direitos». Apesar de concordar com a necessidade de investimento público na habitação, «não devemos pagar os preços atuais da habitação com o dinheiro dos contribuintes, não temos dinheiro para suportar isso com os cofres do Estado. Ninguém está disposto a pagar os impostos necessários pondo o estado a financiar um mercado com estes preços. E nota-se que ano a ano, o que é projetado para fazer casas não é feito porque os preços continuam a aumentar». Pelo contrário, «precisamos de mudar o modelo de financiamento das autarquias», nomeadamente ao nível do IMT, «para que possam ter maior ponderação no negócio imobiliário». Participando no mesmo painel, o também comentador da SIC Notícias, Miguel Morgado, defende que é necessário «adaptar o nosso mercado de habitação para servir a classe média portuguesa e também quem nos procura e vem de fora», aproveitando a boa reputação e atratividade que o país hoje tem, e que «demorou décadas a criar». E deixa a dúvida: «tantos anos depois de aderirmos à União Europeia, como é que ainda estamos tão dependentes dos apoios públicos e dos fundos europeus? É uma incapacidade política e coletiva do sistema económico de mobilizar recursos para os nossos problemas e áreas que precisam. Precisamos de soluções criativas». Mas mostra-se contra medidas como o controlo de rendas, que «está a ser um desastre» em cidades como Berlim ou Barcelona. Concorda que «temos de atuar do lado da oferta», e exemplifica com os novos modelos de concessão para construção de habitação acessível que a Câmara de Lisboa se prepara para lançar.

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