Escritórios, habitação ou hotelaria: Porto concorre com as principais cidades europeias

Rui Moreira, Head of Porto da CBRE
Rui Moreira, Head of Porto da CBRE

O Porto tem crescido a todos os níveis e hoje joga de igual para igual com outras importantes cidades europeias no panorama imobiliário. O que mudou?

Mudou quase tudo… E para muito melhor, felizmente! Destaco principalmente três setores: Nos escritórios, uma mudança drástica começou com a chegada de novos centros de competências de empresas multinacionais. Isto traduziu-se numa alteração significativa do perfil de inquilinos e, por consequência, nas características físicas dos edifícios necessárias para acomodar estas novas empresas. Hoje o Porto tem já no seu stock de escritórios edifícios de elevada qualidade e projetos em pipeline que comparam bem com qualquer cidade europeia. A dimensão média das transações do mercado também subiu, cerca de 90% da absorção é feita em transações superiores a 400 m² de ABL, quando no passado eram escassas as operações acima desta metragem. 

No residencial, a procura cresceu exponencialmente por todas estas novas dinâmicas empresariais que atraíram e retiveram pessoas no território e naturalmente pelos regimes de incentivo à atração de investimento estrangeiro, ambos fatores que colocaram uma pressão adicional do lado da procura num mercado onde existe um claro problema na oferta.

Na hotelaria, o Porto é hoje um dos destinos de moda no mundo, em especial depois dos dois recentes prémios atribuídos nos “World Travel Awards” (“World’s Leading City Destination” em 2022 e “Europe’s Leading City Break Destination” em 2020). Todas as grandes cadeias estão ou querem estar na cidade. A oferta cresceu em quantidade e qualidade e o setor todos os anos reinventa novos limites.  Apesar de haver um pipeline importante de novos hotéis, esta oferta tem sido rapidamente absorvida por uma procura crescente, os níveis de ocupação permanecem altos e o “RevPar” tem crescido consistentemente.

Ao longo de 2023, várias empresas estabeleceram ou aumentaram as suas operações na Invicta. Destaca algum setor específico? O que as atraiu? 

No setor dos escritórios a tónica dominante foi dada pelos serviços partilhados de IT, RH, Legal & Compliance e serviços financeiros a que se juntaram alguns centros de competências nas áreas tecnológicas e de engenharias.

Estas empresas foram atraídas pela qualidade e quantidade dos nossos recursos humanos nas áreas STEAM (Science, Technology, Engineering, Arts and Maths) e por uma “equação” de cidade que foi capaz de aliciar e reter talento. Uma macrorregião Norte (de Aveiro a Braga) tem nas suas universidades cerca de 74.000 estudantes destas áreas STEAM, números que comparam bem com outros núcleos urbanos europeus. Estamos, no entanto, num momento crítico que exige uma resposta rápida, eficiente e articulada por parte das entidades públicas e privadas para responder a uma emergência que é nacional – a escassez de oferta residencial. Esta falta de oferta poderá, na minha opinião, colocar em risco o círculo virtuoso dos escritórios.

No panorama imobiliário nacional, existem já investidores internacionais a entrar em Portugal começando pelo Porto? Quem são estes investidores e o que os motiva neste sentido?

A fase do ciclo que vive o Porto é distinta de Lisboa, por isso o perfil de investidores é diferente. Os investidores mais ativos no mercado de escritórios são investidores privados e “family offices” de média dimensão. Tudo parecia apontar para que o Porto tivesse definitivamente entrado no radar dos investidores institucionais no setor de escritórios (tal como já tinha acontecido no setor dos centros comerciais há muitos anos atrás), mas o atual contexto deste setor e a falta de produto disponível para venda atrasou um processo que será inevitável a prazo. Apesar da extraordinária performance ocupacional – especialmente quando comparada com outros mercados – muitos investidores internacionais que estavam ativamente à procura de oportunidades no Porto, puseram “on hold” as suas intenções. Acreditamos que este fenómeno seja temporário e que no médio prazo regressem em força.

No setor logístico/industrial, eu diria que o interesse num bom edifício com um inquilino de qualidade é idêntico na Grande Lisboa e no Grande Porto. Se considerarmos a macrorregião Porto como sendo de Aveiro a Braga – forma como gosto de ver este território – a verdade é que chegamos a uma massa crítica interessante, com uma população que ronda os 2.8 milhões de habitantes.

Em que momento se encontra o setor da reabilitação urbana na cidade Invicta? Há ainda muitas oportunidades e atrativas?

Tenho a sensação de que, no setor da reabilitação, estamos num momento de ajuste de preço. Há várias zonas emergentes, nas imediações de zonas consolidadas um pouco por toda a cidade e outrora menosprezadas. Dada a escassez de habitação, todas estas zonas vão potencialmente ter uma valorização significativa num futuro próximo (ou já a estão a ter, em alguns casos).

E, por fim, a zona Oriental da cidade do Porto, única área onde este município pode crescer em grande escala e que será rapidamente potenciada por alguns projetos recentes como o Terminal intermodal de Campanhã, a consolidação da zona das Antas e, num futuro próximo, o projeto de Reconversão do Matadouro. Estes grandes projetos criarão novas centralidades e acelerarão o desenvolvimento desta zona.

Em Lisboa existe stock de edifícios de escritórios obsoleto que se poderá reconverter em residencial ou outros usos. É uma situação que se verifica também no Porto?

O Porto tem uma dinâmica no mercado de escritórios em contraciclo com outros mercados.  A desocupação de escritórios do Grande Porto é muito baixa (4.2% em setembro passado, segundo o research da CBRE). O pipeline de novos edifícios em desenvolvimento tem crescido, mas ainda assim o número de metros quadrados adicionados ao stock em cada ano (42.000 m²/ano entre 2018 e 2022) têm sido abaixo da absorção líquida mercado - expansões e entrada de novas empresas representaram em média 45.000 m²/ano no mesmo período. Esta dinâmica tem-se traduzido numa redução muito considerável da desocupação.

Convém notar que apesar da absorção total de escritórios do Grande Porto - em média na ordem dos 60.000 m²/ano nos últimos anos - ser bastante baixa quando comparada com outras cidades europeias, a verdade é que quando falamos de absorção líquida o Porto apresenta números extraordinários, acima de muitos outras áreas metropolitanas de maior dimensão.

Alguns edifícios de stock antigo, mais fracionados e pouco adequados à atual procura podem acabar reconvertidos em residencial. A CBRE intermediou recentemente dois negócios onde isso vai, previsivelmente, acontecer. Mas a tendência não será tão vincada como noutras latitudes, onde há uma disponibilidade de espaços de escritórios consideravelmente maior.