Via legal promete acelerar transição para um imobiliário mais “verde”

Apesar de já não restarem dúvidas da necessidade de tornar as atividades humanas mais sustentáveis, os especialistas do mercado acreditam que é pela via legal que as grandes mudanças poderão ser mais eficazmente implementadas, como foi o caso do certificado energético, tornado obrigatório há alguns anos. Isto numa altura em que o cliente final tem de ser (rapidamente) mais sensibilizado para as necessidades de sustentabilidade, para as soluções existentes e para as suas vantagens a longo prazo, nomeadamente na hora de comprar casa.O tema da sustentabilidade esteve em destaque no mais recente Pequeno-Almoço Conferência da Vida Imobiliária de 1 de fevereiro, organizado em conjunto com a Cushman & Wakefield, em Lisboa. Na ocasião, Marta Esteves Costa, Investor Relations Director da Norfin, testemunhou que a sustentabilidade «é um dado adquirido» para os investidores internacionais, mas que «em Portugal não há ainda essa preocupação». O desafio é «convencer o cliente de que o investimento adicional em fase de obra vale a pena», o que é mais difícil no caso dos edifícios existentes, e gera «um problema grave» de falta de qualidade do parque edificado. Acredita que a tecnologia vai acabar por ajudar a fechar as contas, mas que «a força legal é que vai mudar» o paradigma. E dá também o exemplo da Ikea, que está «a formar toda a sua cadeia de valor, porque é obrigada a isso».Diogo Abecassis, Co-Founder e Managing Partners da MAP Engenharia, deu o exemplo de alguns clientes donos de obra que ainda optam pelas soluções mais tradicionais, mesmo quando há alternativa, e acredita que «legislação específica seria útil para acelerar estes investimentos». Estes especialistas acreditam que há ainda muito para fazer ao nível da informação, e que parte do trabalho está também nas mãos das próprias mediadoras imobiliárias. «O trabalho de informação e sensibilização é fundamental para darmos o passo em frente para soluções mais sustentáveis, com menor consumo de energia», acredita Eric van Leuven, Head of Portugal da Cushman & Wakefield.Seja como for, com a taxonomia europeia à porta, e porque «as primeiras perguntas dos investidores são todas sobre sustentabilidade, é para esse mundo que caminhamos. Há muito trabalho a fazer nos próximos anos», diz Eric van Leuven.Nova diretiva europeia de eficiência energética a caminhoPara Nelson Lage, Presidente do Conselho de Administração da ADENE, a grande preocupação atual prende-se com a renovação de edifícios, ainda muito aquém do desejável, mas no bom caminho.Em finalização está a nova Diretiva Europeia sobre a Eficiência Energética dos Edifícios, que trará um novo conjunto de regras a aplicar à atividade, cuja transposição a ADENE espera que não demore tanto como a anterior diretiva. «É uma diretiva mais ambiciosa nas suas metas, a Europa e o ambiente assim o exigem», diz Nelson Lage, que explica que «vai trazer novidades ao nível do certificado energético e introduz novas componentes tecnológicas».Recorda que estas novas leis vão entroncar com a Estratégia de Longo Prazo de Renovação dos Edifícios, já em vigor desde 2021, com grande foco na reabilitação de edifícios e que prevê investimentos em 3,8 milhões de casas a precisar de melhorias.Por outro lado, lembra que «um dos grandes desafios para cumprir as metas que temos até 2050 é aproveitar os fundos do PRR, eles é que vão alavancar o investimento privado. É muito importante aproveitar estes fundos, promover projetos e iniciativas para mostrar que a industrialização da construção é positiva, e fazer do financiamento verde uma realidade para todo o setor, dando mais informação ao consumidor, e criando maior articulação entre os players e associações do setor».Industrialização é o caminho para o “verde”Nos fóruns do setor, a industrialização da construção tem vindo a ser apontada como uma das soluções não só para fazer face aos aumentos dos custos e à falta de mão-de-obra, mas também para construir de forma mais sustentável.A Vanguard Properties tem apostado forte nesta vertente, inclusive adquirindo unidades de produção, nomeadamente de construção em madeira, um material com pegada de carbono mais baixa. E é na Comporta que este caminho vai ser mais evidente e disruptivo.José Cardoso Botelho¸ Diretor-Geral da Vanguard Properties, diz que «o tema da sustentabilidade para nós é crítico. Todos os projetos da Comporta terão a industrialização como chave, e é por isso que temos investido cada vez mais na componente industrial. A industrialização é o único caminho que um promotor com a nossa dimensão pode seguir». E o responsável está convicto de que a industrialização e a tecnologia não “roubam” trabalho, «todos continuam a ter o seu negócio, mas o projeto é muito mais rápido e mais sustentável, e provavelmente todos receberão o seu dinheiro mais rapidamente».Por seu lado, João Crispim, ESG Manager e Project Development Manager no Grupo Casais, nota que a pegada ecológica e o contributo para as emissões do setor da construção é imenso, logo a seguir à energia e transportes. «Temos de fazer alguma coisa rapidamente, e só há futuro no imobiliário se este for sustentável. Isto é claro para nós, e investimos neste sentido. Não é só um caminho de diferenciação, mas o único caminho para aportar valor à sociedade».Testemunha que «o aumento de produtividade na indústria tem vindo a aumentar, e isso faz uma grande diferença. Tudo o que é feito em fábrica e montado no local, desde que pensado, pode ser também desmontado, é possível usar tudo novamente. A construção e montagem é muito mais rápida, e estamos a falar de poupanças carbónicas à volta dos 60%». Está convicto de que «a industrialização é a pedra angular» do setor, com a vantagem adicional de a fábrica atrair mais recursos humanos do que a obra.E as empresas estão convictas de que haverá capacidade empresarial instalada para responder ao desafio. João Crispim afirma que «a capacidade está a ser criada», apesar dos desafios e da necessidade de difusão da inovação. Diogo Abecassis concorda que a mudança vai criar «um novo paradigma na construção».Novo paradigma de “rating” do capital “vai obrigar a uma mudança de mentalidades"Neste novo paradigma de sustentabilidade, outra das forças motrizes da mudança será o financiamento, mais concretamente a penalização de financiamentos menos sustentáveis, e/ou a bonificação de projetos mais “verdes”, algo que também será baseado na taxonomia europeia, mas que também ainda está a ser definido. É um «novo paradigma de “rating” que vai obrigar a uma mudança de mentalidades».Sandra Augusto, Head of IFRRU Team e Corporate Real Estate do Santander, recorda que «o Banco Central Europeu já obriga os bancos a sinalizar que tipo de projetos têm em carteira, e é muito importante mudar as mentalidades». O banco, por exemplo, já não financia operações novas sem a entrega dos pré-certificados, e sente ainda «uma grande resistência» por parte dos clientes em fazê-lo. Mas está convicta de que «tudo será diferente quando as pessoas perceberem que têm uma majoração nos empréstimos que forem mais sustentáveis».O IFRRU 2020 é um exemplo de um programa que trouxe grandes vantagens de financiamento às operações de reabilitação urbana, que podem ajudar nesta mudança. «Quando se apresenta o produto e se mostra que há uma vantagem, os clientes predispuseram-se a entregar os pré-certificados. Só quando se repercute uma vantagem no cliente final é que se nota a diferença». Em 2025, poderá haver uma nova versão deste programa, que está agora a ser analisada, novamente focada na área da reabilitação urbana.Isabel Simões Correia, Head of Business Development na Cushman & Wakefield alerta mesmo para o «risco de os ativos se tornarem ilíquidos» se não corresponderem às exigências de sustentabilidade. «Não sabemos bem como se vai resolver esta situação, e definir o que é “green” e o que é “brown” é todo um mundo que está por fazer. Mas quem não tiver isso na sua agenda, pode não conseguir financiar-se da forma que gostaria».

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