Volatilidade vai marcar o setor em 2024

Faz parte do início de cada novo ano traçar perspetivas e planos para os 12 meses que se seguem, e antecipar as tendências que vão marcar o mercado. Mas há muito que um ano não arrancava com tantas variáveis tão imprevisíveis como 2024. Com eleições à porta, novos conflitos de impacto global e taxas de juro em alta, o setor imobiliário espera, sobretudo, uma grande volatilidade nos próximos meses. As perspetivas do mercado para o ano de 2024 deram mote ao mais recente Pequeno-Almoço Conferência que a Vida Imobiliária organizou a 19 de janeiro no ISEG, em Lisboa, contando com o apoio da empresa municipal Gaiurb. Questionados sobre quais as palavras que melhor poderiam definir a sua expetativa para o novo ano, os intervenientes apontaram, sobretudo, a volatilidade. Mas também a incerteza, incógnita, esperança, oportunidade e resiliência. E as perspetivas dos profissionais parecem convergir no que toca a um ano melhor ou igual a 2023. Entre os temas que preocupam, estão a transição energética e o ESG, o resultado das eleições, a atração de investimento estrangeiro, o financiamento à promoção, o Simplex do licenciamento, a habitação acessível ou a dinamização do arrendamento e do Build to Rent. Mas transversal é a preocupação com a evolução das taxas de juro. “As coisas podem mudar de um dia para o outro” Traçando uma perspetiva macroeconómica, o professor e economista João Duque não escondeu que «as coisas podem mudar de um dia para o outro. Temos novos conflitos que, de repente, podem alterar as coisas, nomeadamente a inflação. Agora, temos uma redução significativa do fluxo comercial no estreito do Golfo, e isso pode aumentar os custos e perturbar toda a cadeia». É difícil prever a evolução dos novos conflitos, como as guerras na Ucrânia ou em Gaza mas, segundo João Duque, «é realmente provável que as taxas de juro desçam no segundo semestre». Mas só «se os conflitos não se agudizarem ou escalarem a nível mundial». Acredita que em maio ou junho se possa registar uma descida de 50 pontos base das taxas de juro de referência, até porque «os Estados Unidos estão a controlar bem a inflação, por isso são esperadas várias descidas ao longo deste ano». João Duque, professor e economista «Nenhum Governo vai alterar Portugal em 6 meses» As perspetivas não são tão animadoras do lado empresarial, e dá o exemplo da Alemanha, que teve mais um trimestre de quebras no PIB, o que faz antever a entrada em recessão. Sobre as eleições portuguesas, não espera grandes impactos na economia neste ano, já que «a dinâmica do orçamento está feita, e nenhum Governo vai alterar Portugal em 6 meses», resume. O economista e consultor António Ramalho não se mostra tão certo sobre as taxas de juro, apesar de se inclinar para a sua descida este ano: «eu até acho que as taxas de juro podem descer já no primeiro semestre, mas as “verdadeiras” taxas de juro são a 10 anos, e estão atualmente em cerca de 2,6% e 2,7%, abaixo dos 3% nos quais têm estado estáveis. Isto pode querer dizer que há uma previsão de recessão neste período, provavelmente no centro da Europa». Certo é que «em 2023, o imobiliário comportou-se melhor do que seria esperado, o que era imprevisível nestas circunstâncias». E também concorda que as eleições de março, que se aproximam, não vão impactar este mercado. Pelo menos não este ano. Pedro Siza Vieira, sócio da PLMJ e ex-ministro da Economia, também foi convidado deste encontro, e realçou que «a economia é muito mais resiliente do que pensamos, e a guerra na Ucrânia é exemplo disso. Rapidamente, mudámos os fornecimentos e as questões energéticas». Considera que «é muito provável que as taxas de juro baixem este ano, apesar dos novos conflitos». Mas também acredita que a Alemanha entre em recessão. Ainda assim, «acho que vamos ter condições para manter ou até melhorar os preços do imobiliário. Não temos razões para que 2024 seja pior que 2023», completa. Pedro Siza Vieira, sócio da PLMJ e ex-ministro da Economia Miguel Franco, administrador da alemã Schmitt+Sohn Elevadores, que produz e exporta em Portugal, mostrou a sua preocupação com o mercado germânico, e com a grande concorrência que as empresas chinesas estão a fazer no setor automóvel, nomeadamente nos carros elétricos. «Isso tem consequências ao nível dos fornecedores, e Portugal é muito impactado com isso, registando quebras substanciais das vendas. Nós já tivemos quebras de 40% nas nossas encomendas para o mercado alemão», um mercado sem problemas de procura, que aliás «também precisa de casas». Os profissionais presentes pareceram concordar que as eleições merecem atenção, mas não deverão afetar os fundamentais do mercado, ou impactar significativamente a economia portuguesa. Mas a economia e o contexto global podem, sim, ter um forte impacto no rumo das coisas em 2024. Resta saber se Portugal será visto como um “porto seguro” num contexto de maior instabilidade e por estar geograficamente mais longe dos conflitos, ou se, por ser bastante dependente de vários países, como a Alemanha, poderá sofrer mais com essa dependência. Ajuste de preços vai ser necessário no investimento O mercado de investimento imobiliário comercial português arranca 2024 depois de uma quebra de 50% no volume de investimento, conforme recordou Paulo Silva, Head of Country da Savills Portugal, o que atesta os maiores receios dos investidores e um custo mais elevado do financiamento. Francisco Horta e Costa, diretor geral da CBRE, lembrou que, a nível ibérico, as cidades secundárias ganham relevância e são mais atrativas para os investidores, que nelas veem um «upside». E acredita que «o papel dos ‘family offices’ em Portugal pode vir a ser preponderante. Sabemos de vários casos que vêm para Portugal porque aqui encontram um ‘porto seguro’ que garante a preservação de capital, e este tipo de movimentação do dinheiro vê-se na Europa». O responsável acredita que deverá manter-se o «desequilíbrio de expetativas em relação aos preços entre vendedores e compradores». E Paulo Sarmento, Head of Transactional Services da C&W Portugal, também espera este «ajustamento dos preços». Explica que «vamos ser vítimas de um processo que está a vir do norte da Europa, onde o investimento tem vindo a diminuir, e que tem a ver com uma forte quebra dos preços de mercados interessantes como o Reino Unido, França ou Holanda. É difícil competir com esses mercados, numa altura em que os preços estão mais equiparáveis». Por outro lado, os segmentos residencial ou logística estão a registar forte procura, à qual Espanha, por exemplo, tem conseguido responder. Mas Portugal não tem oferta para este interesse, e é algo a que o mercado deve estar muito atento. Assim como à «ameaça existencial» do mercado de escritórios. Habitação confirma a sua resiliência, apesar dos juros em alta. Mas continua a faltar oferta Dando alguns números de contexto para lançar o debate, Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário, salientou que o mercado da habitação continua a valorizar, ainda que a um ritmo sucessivamente mais calmo. Lisboa e Porto valorizam abaixo dos 10%, e são os mercados relativamente mais baratos que registam os maiores níveis de valorização, «apesar de partirem de uma base muito baixa». Têm, agora, «uma margem de valorização mais baixa». «O maior obstáculo é sempre o licenciamento, e o menor é a falta de procura» Destaca também que o número de transações desceu até ao primeiro trimestre do ano passado, em resultado do impacto da subida das taxas de juro, mas manteve-se estável até ao final do ano. «Mostra que o mercado está a recuperar em número de transações». Segundo Ricardo Guimarães, a oferta de habitação no acumulado entre 2018 e 2023 é de cerca de 150.000 apartamentos, 92.000 dos quais prontos, e cerca de 50.000 transacionados. Ou seja, «tudo o que foi saindo para o mercado, foi sendo vendido», num contexto de menor entrada de fogos no mercado e de quebra do lado da oferta. Na análise da Ci, «o maior obstáculo é sempre o licenciamento, e o menor é a falta de procura. É mais difícil fazer promoção imobiliária hoje do que há uns anos. Mas a indústria está a tentar dar resposta». Sobre os últimos resultados do inquérito de confiança que a Confidencial Imobiliário fez no final de 2023, o PHMS, destaca que os operadores estão mais otimistas do que no início do ano. É ao nível da procura e dos preços que se mostram mais pessimistas, com base na sua atividade dos três últimos meses. Mas, na verdade, «o mercado tem-se mostrado mais pessimista do que os indicadores acabam por revelar», reflete o responsável. Para Ricardo Guimarães, «é consensual que os juros vão baixar, e achamos que a procura se vai manter». Os desafios prendem-se mais com «o contexto doméstico que teremos para desenvolver a nossa atividade». Paulo Caiado, presidente da APEMIP, acredita que 2023 fica marcado pela «robustez do mercado», e destaca que «o que movimenta o mercado são os eventos da vida que não desaparecem, como mortes, nascimentos, separações e outros, e grande parte do volume de transações diz respeito a casas usadas». O responsável não hesita em passar a mensagem de que «comunicar que é preciso baixar os preços das casas foi um erro gigante, o que precisamos é de encontrar novos segmentos que combatam a exclusão, porque estamos a erguer uma barreira entre os que estão dentro e fora do mercado. temos de encontrar as melhores soluções». «A procura pelo arrendamento disparou com o aumento das taxas de juro, e não temos oferta estruturada para responder» E Patrícia Barão, Head of Residential da JLL e também vice-presidente da APEMIP, confirma que «a procura pelo arrendamento disparou com o aumento das taxas de juro, e não temos oferta estruturada para responder a essa procura. São urgentes as soluções de Build to Rent em Portugal, a nossa oferta é muito limitada». Sustentabilidade é uma certeza Na criação de nova oferta residencial, já é claro que a sustentabilidade é o caminho. A Vanguard Properties é uma das empresas pioneiras nessa aposta. Focada no segmento premium, tem vindo inclusive a adquirir várias empresas de construção nesta área, nomeadamente para apostar na construção em madeira. José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties, referiu durante este encontro que «os nossos clientes, principalmente os americanos, já estão muito focados em investimentos sustentáveis. A construção em madeira é uma das melhores opções, tem uma das menores pegadas ecológicas», e exemplifica que «a nossa fábrica em Esposende permite que tudo na madeira se utilize, com energia renovável». Está convicto de que «esta revolução está a acontecer e será muito forte, mas estamos [Portugal] muito atrasados, e podemos ter alguns percalços no futuro por isso». Nelson Lage, presidente da ADENE, reafirmou que «estamos numa grande mudança de ciclo, e a sustentabilidade está aí enquanto prioridade para este ano. As pessoas estão muito mais conscientes, o setor já aposta em soluções sustentáveis da construção. E independentemente do resultado das eleições de março, espero que continuemos a fazer esse caminho». Simplex do licenciamento “é um bom passo”. 2024 será “ano de transição” Uma das grandes novidades para o setor em 2024 é a implementação no terreno do novo Simplex do licenciamento, que promete trazer maior simplificação dos processos urbanísticos, que muitas vezes são um entrave para o desenvolvimento desta atividade. Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, recorda que o Simplex «surgiu da Carta Nacional da Habitação e é um dos eixos estratégicos para resolver o problema da habitação. É um bom passo para o setor, mas o ano vai ser de transição, e podemos esperar, primeiro, uma diminuição dos licenciamentos, porque as câmaras têm de se adaptar, e vão entrar num período de ajuste. Ainda há muitas dúvidas». António Miguel Castro, presidente do Conselho de Administração da Gaiurb, deu o exemplo da Câmara Municipal de Gaia, que já testou os novos procedimentos com o Simplex e, admitindo a apreensão dos serviços, diz que «vai haver um período de transição e uma mudança de paradigma muito grande. Acreditamos que vai haver uma mudança nos tempos de resposta até ao final do ano». Na discussão da sala ficou ainda patente algum ceticismo relativamente à nova lei, nomeadamente no que diz respeito à transferência de risco e de responsabilidade do setor público para os privados. António Miguel Castro, presidente do Conselho de Administração da Gaiurb Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII

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